domingo, 22 de agosto de 2010

Areias do Tempo

Quem nunca sonhou com uma família perfeita?
 
Eu já. Acho que desde meu nascimento eu só tenho mãe. Uma mãe que é mãe e pai. Infelizmente ela não aprendeu algumas coisas que são exclusivas aos pais, como levar para jogar bola ou ‘ensinar’ sobre sexo. Isso eu tive que me virar.

Fora essas coisas minha mãe fez tudo para me fazer feliz, assim, não senti falta de um pai. Claro que quando via meus coleguinhas com seus pais, abraçando-os e dando carinho ficava com um pequeno desejo.

Meu pai (com)viveu comigo até por volta dos meu treze anos. Nunca me deu carinho nem atenção. Era bruto, sempre preferiu os cavalos a mim. Por isso que eu não ligava em roubar as moedas dele quando ele dormia.

Tinha várias delas. Cédulas também sobravam no bolso da calça estendida no armador. Mas eu só queria mesmo ‘trocados’ para os bombons. E mais que ele ‘precisava’ destas cédulas para cuidar dos animais dele. Pois certa vez quando eu estava doente, minha mãe pediu que ele comprasse um remédio, mas sua resposta foi curta: “O dinheiro que eu tenho é para tratar de um cavalo meu”.

Assim foi meu pai durante o tempo que morou aqui em casa. A única coisa que aprendi com ele foi a masturbação. Pois é, ele ficava me dizendo como fazer. Ainda bem que as meninas que trabalhavam aqui em casa foram mais além comigo.
 
Falando nelas, meu pai não tinha vergonha de traçar todas. A maioria delas, aqui mesmo. Na mesma cama que minha mãe dormia.

Lembro quando minha mãe comprou um carro. Era um Monza, daquele que parece um Kadett. Era bonzinho. A mãe fez muito esforço para comprá-lo (ela não tinha ajuda do meu pai).

Infelizmente o nosso carrinho durou pouco. Meu pai se apossou, ia para todo lugar, sem a gente é claro, mas com rapariga sim. Quando conseguimos ‘recuperá-lo’ já era tarde, tava batido, caindo os pedaços, daí que a mãe teve que vender para o ferro velho.

Pois bem, consegui crescer sem precisar do meu pai. Como disse no inicio, minha mãe me deu tudo. Deste modo, vi que meu pai não era necessário a mim e que eu tinha que esquecê-lo.

Passados quase 10 anos da saída dele aqui de casa (cheguei a encontrá-lo algumas vezes), ele resolveu nos procurar (eu e minha irmã). Ligou e mandou recados. Não respondi nenhum. Minha irmã até que conversou com ele, mas eu prefiro a distância.

Tentativas em vão, chegou a ‘notícia’ que ele se acidentou. Um daqueles mesmos animais que ele sempre amou caiu por cima dele. Não sei o certo, mas parece que foi um boi (ele pratica vaquejada). Minha irmã disse que ele estava com medo de ficar paraplégico. Claro que não acreditei. Mas minha irmã disse que ele queria me ver.

Há dias resisto. Ainda não sei mesmo o que aconteceu, mas rezo que ele esteja bem e que Deus o abençoe. Posso estar pecando em não querer visitá-lo, mas tenho mágoas que não sei se um dia irão se apagar.

Minha namorada, minha mãe e minha irmã condenam minha atitude. E fico de saco cheio se insistem.

Tal posição é apenas uma resposta para aquele que não fez o seu papel ou nem se quer chegou perto de fazê-lo.
Que Deus o abençoe.




sábado, 14 de agosto de 2010

Momentos finais

Sempre fico pensando o que ocorre com as pessoas momentos antes de morrer. Falo do que estavam fazendo, do que pensavam em fazer naquele que seria o seu último dia.

Sabe aquela criança que sonhava em ser um jogador de futebol e de repente é assassinada por um policial despreparado. O universitário que sonhava em se formar e realizar seu sonho de trabalhar em uma grande empresa. A professora que dava aulas gratuitas para crianças carentes e de repente é morta por um motorista embriagado.

O que essas e outras pessoas fizeram nos seus momentos finais. Estavam alegres? Estavam tristes? Como se sentiam...

Não ligo muito para aqueles que "pedem para morrer" todos os dias: pessoas que escolheram o submundo do tráfico e da violência. Mas e aqueles que um dia passaram por esta vida e foram tocadas por Deus e estavam se recuperando?

Vou dar o exemplo do meu tio, que morreu há um ano.

Antônio era o nome dele. Desde cedo escolheu o lado ruim da vida. Tentou matar minha vó, esta que o sempre amou, era usuário de drogas, andava armado e não tinha medo de ninguém. Onde chegava arrumava confusão. Tinha inimigos. Assim foi grande parte de sua vida.

Mas no último ano, resolveu mudar. Creio que Deus o tocou. Conseguiu um emprego, abandonou parcialmente as drogas, só tomava "uma para jantar". Minha vó sentiasse bem melhor. As pessoas não tinham mais medo dele. Queriam ele na roda de amigos.

Certo dia após o trabalho, chegou em casa como de costume e pediu para que uma tia (irmã dele) preparasse a "janta". Ele só ia tomar banho e beber "aquela para jantar". Era sua última.

Do outro lado do bairro, um homem chamado Neto, preparava a "tocaia". Para todos Neto anunciava a morte do meu tio. Temerosos, aqueles qeu escutavam não diziam nada. Neto já sabia tudo o que fazer, chegou a combinar até a fuga com um comparça. Colocou "pexeira" na cintura, cheirou uma carreira de cocaína e foi cumprir seu objetivo.

Enquanto isso, "Tio Toin" estava em um barzinho, saboreando sua última pinga. Minha vó tinha sensações ruim (o que fui saber no dia seguinte, coisa de mãe) e eu jogava bola no meu bairro. Eram 20h.

Meu tio já voltava para casa, prensado na sua "janta", quentinha e saborosa. Quando, sem perceber foi apunhalado pelas costas. Um grito alto e doloroso espantou a vizinhança. Covardemente, Neto dava o primeiro golpe.

Caído, meu tio pedia socorro, ninguém ia "se meter". Um ou outro ainda arriscava gritar, mas era ao mesmo tempo, ameaçado. Sem dó e dominado pelo ódio e pelas drogas, Neto "rasgava" meu tio. Algo que só se ver em filme de terror. Ouvir dizer que foram 12 facadas.

Uma "poça" de sangue se forma naquela pequena rua. Os irmão, que moravam alí perto foram avisados minutos depois, já era tarde. A polícia e a ambulância demoraram para chegar. Como sempre. Até seu cachorro, companheiro de moradia chegou por lá. Permanecendo quando o corpo foi levado.

Até o hoje o caso encontra-se em aberto. O assassino anda pela mesma rua que meu tio foi morto. Sem se preocupar. Minha vó, até hoje chora.

Nos seus últimos momentos ele estava feliz.